4 de maio de 2011

Dama na sociedade, puta na cama



Resolvi postar esse curto documentário experimental hoje, pois há dois momentos das entrevistas que me interessam para o assunto que será abordado: o desenvolvimento da sexualidade feminina.

Para Castells, a sexualidade da mulher está diante de um processo de reconstrução caracterizada “pela desvinculação do casamento, da família, da heterossexualidade e da expressão sexual (o desejo)” (2008, p.270). Prossegue dizendo que quanto mais distante o indivíduo se põe das instituições patriarcalistas, mais facilmente assume o seu corpo como um princípio de identidade e através da multiplicidade de expressões sexuais, capacita-se para a reconstrução de sua personalidade.

Acredito que sim, passamos pela revolução sexual de 60,70, mais atualmente por esta que Castells define, e, com isso, a mulher atribuiu novos significados e valores ao sexo, um novo comportamento e posicionamento. Reconhece-se a luta, a evolução da mulher na questão sexual, porém, ao mesmo tempo que ela vem mudando, não podemos vê-la como concluída, como certa, sobretudo, igualitária. Como já citado em postagens anteriores, o patriarcalismo não se dá apenas na relação homem x mulher, mas sim num todo conjunto social que o sustenta e reproduz. Portanto, ao mesmo tempo em que a mulher se afasta dessas instituições repressoras e ganha certa autonomia sexual, há toda uma conjuntura social que a mantém conservada, sem opção de fuga, num estado de esterilidade do prazer.

Nesse mesmo capítulo em que Castells trata do seu estudo sobre o patriarcalismo, traz a tona um dado interessantíssimo quanto a orgasmos, ocorre em 75% dos encontros sexuais para os homens e em 29% para as mulheres (pesquisa quantitativa realizada nos EUA na déc.90). Por quê? Não tenho um embasamento teórico, muito menos científico quanto à incapacidade da mulher em atingir um orgasmo, porém creio que isso não tenha nenhuma razão biológica, todas somos capazes biologicamente, a não ocorrência desse e a não exploração, a não procura do alcance, nada mais é que um fator social, enraizado em estruturas patriarcais. Porém, quais estruturas são capazes de influenciar diretamente nessa questão tão íntima, tão privada (?), ou seja, estas se constituem e saem da esfera pública, do pensamento público, e interferem na construção da individualidade.

Basta agora pensar o que sustenta isso, quais instituições e costumes mantém a sexualidade da mulher inferiorizada.

Como primeira instituição, posso citar o Direito. No Brasil, o estupro realizado pelo marido é fenômeno inexistente, portanto não tratado na legislação, o que faz desenvolver um raciocínio legal de que a mulher deve servir sexualmente ao cônjuge, independente de sua vontade e consentimento. Além disso, o Estado brasileiro trata diferentemente os direitos do homem e da mulher presa, um exemplo claro e incontestável é o da visita íntima. Em penitenciárias femininas, não existe o sistema de visitas íntimas, portanto a sexualidade da mulher tem menos importância legal que a dos homens.

Partimos agora para a Igreja, como já citado pela minha querida amiga Laura no documentário, existe toda uma linguagem usada, legitimada como a palavra de Cristo, que consagra ao corpo da mulher, um corpo, abençoado pelo dom de gerar. No I Corintos, podem-se analisar infinitas formas de rebaixar a mulher diante do homem: o homem é a cabeça de Cristo, a mulher é o corpo; o homem não foi criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do homem. Além do pior pecado cometido, aquele que comprometeu toda a humanidade: a mulher mordeu a maça. Luxúria!

Em outro momento, minha amada avó, quando entrevistada, relatou a necessidade da reprodução no casamento. A conexão direta entre sexo e reprodução, sendo a mulher a geradora, a capaz de procriar, faz do sexo não uma expressão sexual, mas sim uma função. Isso, é claro, aconteceu a um tempo relativamente significativo, já mudou, como Castells afirma, o sexo ganhou novos significados simbólicos, ainda como reprodução, mas também como atividade libertária, recreativa e de companheirismo. Porém quantos são os costumes, expressões de linguagem (como o título dessa postagem), instituições, conotações midiáticas que ainda sustentam, conservam a mulher inferior ao homem, da interpretação mais coletiva a mais individual. Se isto não for resquício do patriarcalismo, então não sei o que é.

2 comentários:

  1. Em consonância com o concluído por Castells, a exemplo, podemos citar o que antes contribuia para a consolidação do patriarcalismo no direito, quando a autoridade sob os filhos era integralmente atribuída ao pai, chefe da família, através do que chamávamos de "pátrio poder". A superação deste conceito, em tese, veio com a alteração da redação para "poder familiar", expressão, agora, designativa do poder-dever de zelo pela família em todos os seus interesses e necessidades, especialmente no que tange aos filhos, com atribuições concomitantes do pai e da mãe. A prerrogativa era, antes, tão forte, que o patriarca tinha o poder de, no caso de haver diversidade de opiniões quanto à uma tomada de decisão referente ao filho, ter a sua decisão LEGALMENTE prevalencendo sob a decisão da mulher (esta garantia estava expressamente disposta do antigo Código Civil). A lei, por assim dizer, garantia ao pai a predileção por sua opinião e não a da mulher.
    Hoje, o conceito é superado. Mas os vestígios no mundo empírico são inegáveis...

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  2. Acredito que a questão da sexualidade é uma extensão do contexto social.
    As relações de poder, a ideologia, os simbolismos que circulam no discurso constituem o imaginário de homens e mulheres. E isso se reflete na cama.
    O discurso das instituições da igreja, do estado (na forma da lei) e da família está amparado na formação patriarcal. Desde que nascemos estamos sujeitos à essa estrutura discursiva, não é na cama que vamos desconstruir esses sentidos.
    A grande questão é, como fazer circular novos sentidos? Acredito que blogs como esse já são um grande passo... adorei a análise e a discussão que ela gerou!

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